quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Um Trader Inesquecível

A morte do banqueiro Edmond Safra, ocorrida no final do ano passado (1999), trouxe-me recordações que remontam aos meus primeiros anos de mercado financeiro. Hoje, ao compartilhar essas lembranças com os leitores desta coluna, faço dela minha homenagem ao notável homem que se foi. A um trader inesquecível.
Em 1966 eu era estudante da New York University, cumprindo um curso especial de Mercado de Capitais, na Graduate School of Business Administration. Quase ao final do ano, o orientador de nossa turma determinou que cada estudante escolhesse uma instituição financeira e entrevistasse um dos seus principais executivos.
Para minha grande sorte, escolhi o Republic National Bank of New York, não por se tratar de uma instituição importante (o banco fora fundado naquele ano) mas porque o então Ministro do Planejamento, Roberto Campos, era amigo de Edmond Safra, proprietário do banco (um judeu sefardita que iniciara no Brasil sua trajetória de negócios bancários, em 1956). E eu tinha um bom contato com o ministro Campos, já que meu pai era secretário-geral de seu ministério.
Pedi a meu pai, que pediu ao ministro. Fez-se uma carta de recomendação, que recebeu o aval da universidade. E lá fui eu entrevistar o Sr. Safra, na sede do Republic, na 5a avenida.
Depois de passar a manhã inteira sentado numa ante-sala, à espera do banqueiro, introduziram-me em sua sala, num momento em que ele estava almoçando. Se tive esperança de filar um almoço, logo me decepcionei. Eu fora convidado apenas para conversar, e seu único horário disponível era o do almoço. Ele comeu (um espartano sanduíche kosher, diga-se de passagem); eu assisti.
Para minha grande admiração, Safra, durante o almoço, operou ao telefone com diversos países, entre os quais o México, a Suíça, o Líbano e o Brasil. Falou em inglês, francês, português e numa língua da qual não entendi uma só palavra (provavelmente árabe, iídiche ou hebraico). Entre uma e outra ligação, Edmond me explicava os negócios que ia fechando. “Comprei isso, vendi aquilo. Desfiz-me disso, entrei naquilo”.
Ele estava convencido de que o dólar iria enfrentar um longo período de baixa. Por isso tratava de emprestar em dólares, para receber em francos suíços. Estava também convicto de que os Estados Unidos não iriam conseguir manter o preço do ouro estacionado em 35 dólares a onça, base do sistema monetário americano naqueles tempos. Fiel a essa estimativa, seu banco comprava grande quantidade de ouro a termo e de ações de empresas de mineração de ouro. Safra explicou-me tintim por tintim seus fundamentos e conclusões.
Na captação o Republic Bank era uma instituição diferente das outras, que chamava atenção pela maneira inortodoxa com que captava clientes. Procurava-os principalmente entre as donas de casa, recompensando com aparelhos de televisão a cores aquelas que adquiriam certificados de depósito de longo prazo. Edmond – que era pouco mais velho do que eu (em 1966, eu tinha 26; ele, 34) – disse-me que era com esses depósitos que seu banco se posicionava no longo prazo, apostando contra o dólar e a favor do ouro. Disse-me também que, durante a década seguinte, o grande negócio do mundo seria o petróleo.
Ao nos despedirmos, agradeci a aula desinteressada. Cuidei rapidamente de transformá-la numa entrevista formal, com perguntas e respostas, que bati a máquina e entreguei na universidade.
Nunca mais vi Edmond Safra pessoalmente.
Mas, nos anos que se seguiram, assisti cada uma de suas previsões se tornar realidade. A queda do dólar, que se acentuou com o agravamento da Guerra do Vietnã e com o Escândalo Watergate, a liberação do preço do ouro, que subiu 2.185% no período de oito anos (de 35 para 800 dólares) e o grande bull market do petróleo, nos anos Setenta.
Passados 33 anos de sua fundação, o Republic era o terceiro maior banco de Nova York, ao ser negociado com o HSBC. Erigira uma carteira de clientes espalhada por todo o mundo. O sefardita Edmond Safra tornou-se um personagem mítico. Brilhante e audacioso para uns, enigmático e conservador para outros, seus feitos povoaram a imaginação de traders dos quatro cantos e dos concorrentes banqueiros. Transformou-se num poderoso tycoon, que fez jus às tradições herdadas de seus ancestrais ibéricos. De um capital inicial de US$11 milhões, o Republic – aquele banco de donas de casa que eu visitara em 1966 – tornara-se possuidor de ativos no valor de US$50 bilhões.
Na vida particular, Edmond Safra, além de filantropo e mecenas das artes, tornou-se um bem sucedido colecionador.
Em 1994, quando comecei a escrever meu segundo livro, Os Mercadores da Noite, ambientado no mercado financeiro internacional, (cuja versão em inglês, The Sunday Night Traders, a BM&F publicou no final do ano passado), me inspirei em Edmond para criar o personagem Salomon Abramovitch, um judeu, egresso de Auschwitz, que previu a queda do dólar, a alta do ouro e do petróleo.
Nada mais coerente. O Safra da vida real (assim como o Abramovitch da ficção) era um mestre na arte de avaliar o comportamento dos touros e dos ursos, em antever seus movimentos. Acho que em toda a sua vida ele foi apenas um trader. Um trader inesquecível. Talvez o maior de todos.
Por Ivan Sant’Anna
Comentário Scalper Trader:
“Mais um artigo fascinante que em poucas palavras nós mostra um lado pouco conhecido do mercado… as negociações realizadas pela tesouraria de um banco, nesse caso pelo próprio dono Edmond Safra… Edmond como trader operava na essência do Global Trading (avaliação dos macro-fundamentos  e da correlação entre ativos) e do Fluxo de Ordens (avaliação da oferta e da demanda)… Sua história deixou um legado de ensinamentos para todos…”

Nenhum comentário:

Postar um comentário