segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Jogo de Palavras

De alguns anos para cá o Federal Open Market Committee (FOMC) do FED passou a usar a figura do bias (tendência, propensão, predisposição), quando decide expressar-se sobre taxas de juros. E o Banco Central do Brasil traduziu – de maneira também correta, saliente-se en passant – a expressão para viés. Desde a crise cambial do ano passado, o BC passou a usar o instrumento (viés) com o mesmo objetivo do FED, ou seja, o de fazer política mone-tária com palavras. Que é uma maneira não raro mais eficiente, quase sempre menos arriscada e, sem sombra de dúvidas, muito mais elegante do que fazê com números.
As autoridades monetárias usam o bias (ou viés) como se disses-sem: “não elevei (ou não reduzi) as taxas de juros porque não quis, mas vou elevá-las (ou reduzi-las) quando bem entender, sem prévia satisfação”. Algo como um árbitro de futebol que, para acalmar os ânimos exaltados dos atletas, em vez de sacar o cartão vermelho, ou mesmo o amarelo, chama ao centro do gramado ambos os capitães e lhes faz uma advertência: “Escutem aqui, vocês dois, avisem aos seus jogadores que, o primeiro que der um pontapé, eu vou mandar pro chuveiro.”. Como poderia dizer, se quisesse ser mais elegante (coisa que, diga-se a bem da exatidão, em futebol, definitivamente não daria certo): “Meu viés agora é o de expulsão.”
Quem conhece futebol, ou mercado de capitais, sabe que as pala-vras têm o mesmo efeito inibidor, para não dizer coercitivo, que os atos, se pronunciadas na hora e na dosagem certa.
Quando o chairman do FED, Alan Greenspan, sobe a Colina do Capitólio e diz, num depoimento formal à Comissão de Economia do Senado, que o mercado de ações está passando por uma fase de “exuberância irracional” ele quis dizer: “Escutem aqui, vocês (não vocês, senadores, é óbvio, mas vocês, yuppies de Wall Street – que por sinal acompanham os depoimentos do chairman como se fossem thrillers de Alfred Hitchcock), se o Nasdaq ou o Dow fizerem um novo high, eu descarrilo o trem da alegria.”
Na Europa e no Japão ocorre a mesma coisa.
Antes do advento do Euro, por exemplo, na época em que o Bundesbank dava as cartas na política monetária alemã (coisa que, em termos práticos, significava dar as cartas na política monetária de toda a Europa Ocidental), alguns dias antes dos encontros bimestrais do board do banco a imprensa era informada se haveria ou não um press release após a reunião. O mercado sabia que, se houvesse o release, era sinal de que as taxas de juros poderiam ser alteradas. Se não houvesse, isso significava que uma mudança (nas taxas) estava fora de questão.
Poucas não foram as vezes em que o Bundesbank limitou-se a usar o anúncio do press release para fazer política monetária, para debelar tênues, e ainda embrionários, focos de inflação ou até mesmo para fazer sossegar um sindicato que ameaçava uma greve por aumento de salários (sim, o Bundesbank metia o bedelho em tudo que pudesse gerar inflação, inclusive nas negociações salariais entre patrões e empregados). O jogo de cena (a ameaça do sim, quem sabe, talvez, depende, pode ser) funcionava como o bias (viés) dos dias de hoje.
Autoridade monetária, sempre que pode, prefere palavras a atos.
Às vezes me descubro fazendo conjeturas sobre quanto tempo Gre-enspan rolou na cama, na noite anterior ao citado depoimento à Comissão de Economia, pensando no que iria dizer aos senadores (de olho em Wall Street), para deter a alta da bolsa. No quanto não deve ter estudado a combinação do substantivo “exuberância” com o adjetivo “irracional”. “Se dissesse “exagero imprudente”, o mercado poderia não se impressionar. Se usasse a expressão, digamos…, “loucura suicida”, teria apavorado Wall Street e, muito provavelmente, causado um crash. Não. Tinha mesmo de ser “exuberância irracional”. Era a dose certa. Donde se pode extrair a ilação de que a semântica é de capital importância nessas ocasiões.
Procure reparar, caro trader leitor, que, mesmo quando o FED decide passar das palavras à ação e aumentar os juros, os membros do FOMC se limitam a informar “Decidimos exercer ligeira pressão sobre as reservas”, o que todo mundo imediatamente traduz por “Decidimos elevar as taxas de juros em 0,25% ao ano”. Quando dizem “Decidimos exercer pressão sobre as reservas”, sem o “ligeira”, pode-se escrever que a alta dos juros será de 0,50%. Se um dia disserem “Decidimos pressionar drasticamente…”. Bem, esqueça, leitor, nem é bom pensar nisso.
Quando nos lembramos de que, não há muito tempo, política mone-tária, nesta sofrida Banda Sul, não raro significava expurgos, tablitas, e até confiscos, na há como não se louvar essa fase de vieses e alertas de intenções. De quem sabe, talvez, pode ser.
Não deve ser outra a razão pela qual o Brasil (depois que passou a respeitar sua moeda) vem atraindo tantos investimentos externos. Porque política (assim como autoridade) monetária é coisa muito séria. Mesmo quando seu executor se manifesta, quase que de mansinho, através de elaboradas filigranas lingüísticas e sobrepõe sutis palavras ao garrote dos números.
Por Ivan Sant’Anna
Comentário Scalper Trader:
“O mercado segue a máxima… “Sobe no boato e caí no fato”… As palavras tem o poder do fluxo principalmente quando proferida pela pessoa certa, na hora certa e tom certo… Conhecer os principais Banco Centrais e seus atuais presidentes se faz necessário uma vez que você pode ver uma notícia impactar drasticamente o mercado e não saber o porquê desse movimento. Algumas vezes essas notícias são inesperadas mas em sua maioria são esperadas por todo mercado.”

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