terça-feira, 28 de outubro de 2014

O pescador de Lagostas

Por: Ivan Sant´Anna 

Imaginemos um pescador de lagostas. Não desses tradicionais, de barcos lagosteiros ou de jangadas. Não. Nsso pescador é low profile. Mora próximo de uma ponte que atravessa um braço de mar. Braço que, para sorte de nosso herói, é rota de lagostas migratórias.


     Pois bem, o pescador desta historinha limita-se a, do alto da ponte, fazer descer e subir, presa numa corda, uma gaiola, em cujo interior um pedaço de carne serve de isca. Como a água é cristalina, da ponte ele pode observar a movimentação das lagostas. Das quatro faces laterais da gaiola, uma delas é móvel. Pode ser levantada, pelo pescador lá de cima, que, para puxá-la, usa uma segunda cordinha, permitindo assim a entrada das lagostas. Infelizmente, quando essa face móvel está levantada, as lagostas que já estão dentro da gaiola podem sair também.

     Certa tardinha, ao chegar na ponte, o pescador observa, excitado, que uma fileira indiana de lagostas graúdas está cruzando o braço de mar. Se você, leitor, não sabe, é bom avisa-lo de que lagostas são desconfiadíssimas.

     Mesmo tendo baixado a gaiola bem devagar, e com muito cuidado, assim que o objeto estranho chega ao mar, desmancha-se a procissão, instaura-se o pânico e não fica uma lagosta sequer debaixo da ponte. Mas o pescador não se surpreende. Já contava com a debandada, que sempre acontece. Resta-lhe agora deixar a gaiola quietinha, pousada no fundo arenoso. Logo o fluxo de lagostas se restabelecerá. E agora elas terão de passar ao lado de um suculento pedaço de carne. Ele puxa a cordinha menor e um dos lados da gaiola sobe. E passa a aguardar.

     Vinte minutos depois, reinicia-se a migração. E logo uma das lagostas interrompe sua marcha e, não sem antes dar algumas olhadas suspeitosas para os lados, entra na gaiola. Segue-se outra, mais outra e ainda uma outra. De vez em quando, alguma sai. Mas a tendência continua de alta e o número vai aumentando. Lá de cima, o pescador comemora cada lagosta que entra, lamenta cada uma que sai. Então resolve fixar uma meta aleatória: 20. Vinte lagostas. Quando 20 lagostas estiverem dentro da gaiola, ele, com uma largada rápida, baixará o alçapão e dará por encerrada a pescaria.

     Embora oscile bastante, o "mercado" é nitidamente de alta: 13 lagostas, 14, 15, 13, 16, 17, queda rápida para 14 (realização de lucros) e, logo, novo high: 18 lagostas. Então começa a cair: 17, 15, 13, 9 lagostas. Recriminando-se por ter sido tão ganancioso, nosso trader, ooops, nosso pescador baixa a meta para 18. Com 18 lagostas, alçapão para baixo, lucro no bolso. Mas, para seu desespero, saem quatro de uma vez. São agora apenas cinco. Sim, cinco míseras lagostas, isso para quem já teve 18. Mas o mercado melhora, e, num piscar de olhos, o estoque dobra para oito. E o pescador baixa sua meta de 18 para 16. Dezesseis que, infelizmente, não se materializam. Pior, a noite está chegando; a isca, acabando. Arrasado, o pescador sobe a gaiola com quatro lagostas. Quatro, não. Três. Pois baixou o alçapão devagar demais e uma delas conseguiu escapulir.

     Por que será que ele fixou como meta 20 lagostas ? Esse número tem algo a ver com o fluxo migratório sob a ponte ? Com o espaço da gaiola ? Com o tamanho da isca ? Com alguma série histórica ? Não. Nada disso. Vinte era apenas um número redondo, sem nenhuma base técnica ou fundamental. Vinte era apenas o mercado "dele", não o de lagostas.

     Quantas vezes, eu e você, caro trade leitor, fazemos isso. Fixamos metas sem sentido, e baseadas apenas em números redondos, para o nosso trade, do tipo "zerar o short de dólares quando chegar a dois", "vender Ibovespa quando bater 35.000". E o 18, do pescador, era mais burro ainda. Pois, se o mercado voltasse a 18, era melhor pôr um stop a 16 do que liquidar num high passado, o que nada tem a ver com eventual high futuro.

     Um dos maiores erros de um trader é se basear no "seu mercado", como se este tivesse alguma importância. E é evidente que não tem. Importante é a resultante dos erros, dos acertos, dos equilíbrios, dos desequilíbrios, da coragem, do medo, da ganância, de todos os touros e ursos envolvidos na luta. O mercado é a soma de tudo isso, lição que as cotações nos ensinam todos os dias.

     O mercado, acho que já falei sobre isso, é como um concurso de misse. Não tem a menor importância aquela que achamos mais bonita ou mais gost... ou mais curvilínea. O que vale é a candidata que a maioria dos jurados prefere. Pois é esta última que irá ganhar. O mercado é um campeonato de pontos corridos, e não um torneio mata-mata. É preciso administrá-lo, a cada rodada, a cada feito, e a cada gol do adversário, a cada nuança de um jogo. O ponto de compra de um touro é o preço daquele momento. O preço de venda de um urso é a cotação que está lá na tela. É em cada um desses momentos que um trade deve ser avaliado. E não post mortem. Somos traders de futuros ou, no máximo, de presente, jamais de passado. Este só nos deve ensinar a não repetir os mesmos erros.

(Fonte: Resenha BM&F, n 165)

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