terça-feira, 30 de setembro de 2014

Asdrúbal, o "Pé Trocado"

– Como é que está o mercado?
– Ainda não está, Asdrúbal – respondeu Evandro, o operador de pregão. – A bolsa só abre daqui a um minuto.
– Ah, desculpe. É que eu fico louco pra que abra logo.
Asdrúbal fez questão de espreitar, segundo a segundo, a volta do ponteiro do relógio da sala de operações. Descarregou a impaciência enroscando e desenroscando alguns fios do cabelo, cacoete que tinha desde os tempos de criança.
Finalmente a voz metálica, e aparentemente desprovida de emoções, de Evandro emergiu da outra ponta da linha.
– Abriu, Asdrúbal, abriu.
– Abriu? Ah, que bom. E como é que abriu?
– Comprador a 1.120, vendedor a 1.140.
– Compra 20 lotes a 110.
– Eu disse 120 com 140. Se tem pagão a 20, como é que eu vou comprar a 10.
– Tá bom, Evandro. Vai a 20 – e, segundos depois: – Comprou? Comprou?
– Vinte e cinco com 35, Asdrúbal. É o mercado.
– Vai, vai a 25 – e logo quis saber: – Comprou? Comprou?
– Não. Negócios a 30. Negócios a 35. Tem pagão a 40. Comprador de 100 a 140.
– Vai a mercado, Evandro – a voz de Asdrúbal desandou, nervosa. Um observador atento nela detectaria o medo visceral que ele tinha de perder o mercado. De perder o bonde da História. Ou, não me deixando também levar pelo entusiasmo, de perder o bonde da historinha daquela prosaica manhã.
– Comprei 20 a 160 – informou o operador de pregão.
– Puxa, Evandro. – Asdrúbal acusou o golpe. – Você não disse que tinha pagão a 40.
– Pagão, Asdrúbal. Comprador. Vendedor só a 160. E agora só a 70. Sessenta e cinco com 70. É esse o mercado. Tem muito comprador na roda. O mercado vai subir.
Foi como se tivesse oferecido um copo de uísque a um alcoólatra.
– Compra 50 a 70. Não! Compra a mercado. Compra 50 a mercado. Compra 80, pra inteirar 100 lotes.
Seguiram-se alguns segundos, de tensa expectativa.
– Comprei 50 a 175 e mais 30 a 180.- Certo. Que alívio, amigão. Mas me dá o mercado.
– Asdrúbal levantou-se da cadeira. – Como é que está o mercado? – insistiu.
– Vendedor a 60. Vendedor de lote a 160. Negócios a 1.160. É esse o mercado.
– Mas você não disse… Evandro, você não disse que o mercado era comprador?
– Era, Asdrúbal, mas não é mais. Tem vendedor a 160, vendedor a 150. Tem um vendedor grande na roda. Negócios a 40, vendedor a 130, vendedor a 120, negócios a 110. Tá saindo a 1.100. O mercado vai desabar.
– Caramba, Evandro, eu comprei a…, deixe-me ver, comprei 20 a 60, 50 a 75 e 30 a 80. Estou comprado em 100 a 1.173 e meio. Como é que está o mercado?
– Vendedor de 500 lotes a 1.080. Eu não quero parecer alarmista. Mas acho que está acontecendo um crash.
– Vende 200 a 1.080.
– Mas, Asdrúbal, você só comprou 100 lotes.
– Eu sei, Evandro, quero vender em dobro. Quero ficar short em 100. Surfar na onda desse crash. Como é que está agora?
– Vendedor a 060. Mil e sessenta.
– Não disse, cara. Você está perdendo o mercado. Vai nos 60. Vende 200 a 060.
– Vendedor a 55.
– Vai a mercado, Evandro, vende 200 a mercado. Não! Vende 300. Vende 300 lotes a mercado.
O operador de pregão agiu rápido.
– Vendeu, Asdrúbal, vendeu tudo de uma tacada só. Vendeu 300 a 10.
– Trezentos a mil cento e dez? Parabéns, Vando, parabéns, meu chapa – quando ficava satisfeito com o operador, Asdrúbal o agraciava com o diminutivo carinhoso. – Legal, cara, parabéns – repetiu-se como um papagaio.
– Não, Asdrúbal. Mil e dez. E não mil cento e dez.
– Mas como, mil e dez? Tudo bem, Evandro. Entendi. O mercado está sofrendo um colapso. Ainda bem que estou short. Como é que ficou agora? Mas não faz suspense. Diz logo o mercado.
– Virou de novo. Tem comprador a 1.030. Comprador a 1.040. Pagão de lote a 1.050. Asdrúbal, tem um comprador gigante a 1.100. Acho que estamos no início de um bull market.
Naquela manhã, que de prosaica transformou-se em trágica, o mercado fez um novo high, a 1.190. E continuou subindo. Asdrúbal que, como vimos, acompanhara o ziguezague operando em zaguezigue teve de estopar sua posição. Era afobado, mas não louco.
E você, caro trader leitor, quantos Asdrúbals já conheceu? Cá entre nós, quantas vezes você, sim, você mesmo, não se faça de desentendido, se comportou dessa maneira, correndo atrás do mercado, com medo de perdê-lo. Quantas vezes comprou na hora de vender, vendeu na de comprar. Ficou long no overbought. E short no oversold. Foi urso em plena glória do touro. E touro no apogeu do urso. Fez o high do mercado, comprando. Fez o low, vendendo.
Em meus 37 anos de trader, confesso humildemente, isso aconteceu comigo inúmeras vezes. Cheguei a pensar que o mercado inteiro prestava atenção naquilo que eu fazia, para fazer exatamente o contrário. E, nessas oportunidades, ao voltar para casa à noite, sentia-me o verme dos vermes, o mais principiante dos aprendizes, o otário da multidão.
Por Ivan Sant’Anna
Comentário Scalper Trader:
“Ao invés de se preocupar em tentar adivinhar o futuro, se concentre em enxergar o óbvio e em reagir ao fluxo do mercado no momento especialmente quando este estiver for contra sua posição. Este é o grande passo para parar de perder. Aceitar a realidade. Quem se ilude não sobrevive no mercado.”

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