sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Reminiscências

Nos trinta e sete anos (de 1958 a 1995) em que atuei como operador de mercado antes de trocar a emoção dos números pela suave e, às vezes, modorrenta mansidão das letras, tive a oportunidade de assistir a diversas mudanças no perfil dostraders brasileiros, fossem eles touros ou ursos.
Naquele, agora quase apagado na memória, final dos Anos Cinqüenta, quando a maioria dos traders de hoje sequer havia nascido, no Brasil os principais mercados eram os de ações e de câmbio. Os negócios de renda fixa se resumiam a notas promissórias emitidas por empresas privadas. Os governos, federal, estaduais e municipais, não emitiam títulos, por falta de credibilidade. No câmbio, como o dólar flutuava livremente, os traders negociavam para os importadores e exportadores. Faziam-no em mesas redondas, operando dúzias de aparelhos telefônicos pretos, movidos, acreditem, a magnetos e manivelas. Manivelas também que, juro, se moviam para frente e para trás nas máquinas de calcular.
Nos mercados de ações e de câmbio daquela época jurássica, os touros se mantinham comprados e os ursos, sem ter como ficar short, limitavam-se a ficar de fora. Havia, entretanto, um mercado informal de dólar futuro, no qual era possível ficar vendido. Portanto, a bem da exatidão, pode-se afirmar que, naqueles tempos, os touros eram profissionais respeitáveis e os ursos, do câmbio, não mais que agentes da economia informal, para não dizer contraventores.
Dez anos depois, os profissionais se voltaram para as bolsas de valores. Cresceu muito o volume de negócios. Instituiu-se o mercado a termo. Segundo as regras vigentes na ocasião, os traders comprados depositavam margens em dinheiro. Mas os vendidos tinham de depositar o total de ações negociadas. Eram, por conseguinte, operadores de renda fixa. Portanto, enquanto os touros assumiam riscos (da bolsa cair), os ursos eram circunspectos financiadores do mercado. De contraventores transformaram-se em austeros banqueiros. Isso ocorreu ao longo de todo o saudoso bull marketversão 1969/1971.
A partir da segunda metade de 1971, o mercado de ações entrou num prolongado movimento de baixa, agravado por severa diminuição na liquidez (alguns papéis chegaram a desaparecer totalmente de circulação, deixando seus desditosos proprietários no alto da parede, pendurados na broxa). Foi tão grande o bear market dos anos 70 que, em certos momentos, a gente achava que a queda não iria terminar nunca. Que a bolsa se transformaria em pó.
Para não morrer de fome, touros e ursos olharam ao redor e não hesitaram em se bandear en masse para a arena doopen, ao redor da qual um novo público se acotovelava. No cenário de alavancagem proporcionado pelo novo e excitante mercado, surgiram os gloriosos tempos dos gravatinhas, um boom ainda maior do que o vivido pelo mercado de ações, agora moribundo.
Beneficiado pelas profusas emissões de Letras do Tesouro Nacional (LTN) e Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTN), sem falar nos títulos estaduais, o boom do open foi o berço de inúmeras instituições financeiras, muitas delas entres as mais reputadas nos dias de hoje. Pois, registre-se, elas começaram com meia dúzia de gravatinhas – termo então pejorativo, sinônimo de nouveau-riche, criado por um prestigiado colunista carioca em volta de uma mesa de operações.
Mas, ainda dessa vez, touros e ursos tinham características distintas. Enquanto os primeiros podiam permanecer comprados, carregando posições, os segundos só podiam ficar short por algumas horas (os papéis vendidos tinham de ser entregues ao comprador antes da abertura do dia seguinte). Vale dizer, a prudência passou a ser uma característica dos touros. Os ursos… bem, os ursos tinham de ser rápidos no gatilho, como um caubói do faroeste.
A década seguinte, de 80, caracterizou-se basicamente pela inflação. Galopante. Na qual touros e ursos tinham de ser igualmente rápidos. Desapareceram as posições e mesmo os raciocínios e estratégias de longo prazo. O que era bom hoje podia ser um absurdo amanhã. Veio a era das tablitas, dos expurgos, dos redutores, das distorções. Num mês a inflação era de 50%. No outro, havia deflação. Sem falar que a moeda também mudava. Nas mesas de open falava-se em trilhão. Que os operadores chamavam carinhosamente de “tri”, com uma intimidade de quem perdeu totalmente o respeito pelo dinheiro.
O público já não olhava para a arena. Naqueles tempos de tapetão, nem sempre valeu o que se escreveu, nem sempre dois mais dois foram quatro. Foram momentos erráticos. Onde, às vezes, urso lutava contra urso. Touro chifrava touro. Mas foi também a época, altamente seletiva, em que o mercado amadureceu. E, com ele, os profissionais.
O público já não olhava para a arena. Naqueles tempos de tapetão, nem sempre valeu o que se escreveu, nem sempre dois mais dois foram quatro. Foram momentos erráticos. Onde, às vezes, urso lutava contra urso. Touro chifrava touro. Mas foi também a época, altamente seletiva, em que o mercado amadureceu. E, com ele, os profissionais.
Em dias tão difíceis, por mais incrível que isso possa parecer, implantou-se no Brasil um mercado futuro. Criou-se um sólido mercado de opções. Os traders passaram a olhar para o que ocorria fora do país, internacionalizando a profissão.
Às vezes me pergunto por que os traders brasileiros são tão reputados. Por que será que galgam com tanta facilidade posições de projeção em grandes instituições financeiras internacional?
Só pode haver uma resposta: Os mais de 30 anos de inflação, as inúmeras mudanças de regras do jogo, e o cenário de incerteza sob o qual nossos touros e ursos combateram foram tão grandes que tivemos, por questões de sobrevivência, de forjar os melhores entre os melhores. Tombaram os meninos e sobraram os homens.
Por Ivan Sant’Anna
Comentário Scalper Trader:
” O mercado muda e o mercado evoluí. Quem resiste a mudança fica para trás e o mercado engole. O princípio que permite que os Traders lucrem, até hoje, no Mercado com tantas condições diferentes é: Adaptação.”

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