Por Angelo Pavini | De São Paulo
Mark Mobius: mercados emergentes devem se destacar. No caso da
Bovespa, os papéis de commodities, como minério, cobre e minerais, são a grande
aposta
A crise europeia deve ter uma solução em meados do ano que vem, o que abrirá
espaço para as bolsas do mundo todo voltarem a subir. A expectativa é de Mark
Mobius, especialista em mercados emergentes da Templeton Asset Management. Em
visita ao Brasil - um dos 30 países por onde ele passou este ano - Mobius falou
com o Valor e destacou que está confiante no crescimento dos
emergentes, o que deve favorecer os setores de commodities. O Brasil, segundo o
gestor, é hoje o principal país na carteira de ações de emergentes da
Templeton, com 15% dos US$ 40 bilhões, ultrapassando a China, tradicional
líder. No mundo, a Franklin Templeton administra US$ 700 bilhões em fundos, a
maior parte concentrada nos EUA. Desse total, 15% estão em ativos brasileiros,
incluindo ações e renda fixa. A seguir, a entrevista com Mobius:
Valor: Qual sua expectativa para a crise na Europa?
Mark Mobius: A crise europeia não é tão profunda e ruim
quanto as pessoas pensam. Os países europeus estão agora em um processo de
discussão, e isso leva tempo. Mas eu acredito que no próximo ano eles vão
chegar a um acordo sobre como estabelecer uma disciplina fiscal, todos juntos e
unidos. No meio do próximo ano nós veremos o euro em uma posição mais forte
como moeda internacional. E ninguém vai deixar o euro. Também, deixar para ir
aonde?
"A crise não é tão profunda e ruim quanto as pessoas pensam.
Os países estão em um processo de discussão, e isso leva tempo"
Valor: A solução deve sair no meio do ano que vem?
Mobius: Sim. Eles na verdade já estão perto de uma solução,
mas precisam negociá-la, fazer os diversos países compreendê-la.
Valor: E haverá uma recessão?
Mobius: Não. O que deve haver é uma maior disciplina
fiscal, e o Banco Central Europeu (BCE) vai liberar recursos para o mercado. O
BCE tem dito que teme a inflação, mas também teme a deflação, que viria no caso
de uma recessão profunda. Isso quer dizer que ele vai ter de lutar contra a
deflação. Portanto, o impacto nos países emergentes não será significante,
falamos talvez em uma queda de 1% nas taxas de crescimento da categoria para o
ano que vem
Valor: Uma queda de só 1%?
Mobius: Sim. Veja o caso da China. O governo chinês quer
desaquecer a economia. Então o crescimento deve cair para 8%. Mas não vejo um
risco de um problema de desaquecimento mais forte na China neste momento. O que
está acontecendo é que os mercados emergentes estão sendo vistos mais recentemente
como um porto seguro pelos investidores. Eles devem crescer três vezes mais do
que os outros países, têm reservas internacionais altas, baixo endividamento em
relação ao Produto Interno Bruto (PIB) e boa situação fiscal. Há uma combinação
de fatores que mostram que esses países estão em bem melhor forma que os
desenvolvidos. Mas continuaremos com essa incerteza no mundo ainda até o fim
deste ano e, no próximo, vamos ver uma mudança de cenário mais positiva.
Valor: E os Estados Unidos?
Mobius: É onde, para mim, as coisas mais significantes
estão ocorrendo. Porque com o enfraquecimento do presidente Barack Obama e o
"Tea Party" (movimento ultraconservador) crescendo, os Estados Unidos
devem caminhar para mais disciplina fiscal. O que, novamente, é muito bom. Vejo
um crescimento modesto da economia americana no ano que vem. Mas o que o país
precisa mesmo é de menos regulação, menos impostos e burocracia. E Obama está
começando a entender isso. E ele talvez faça mudanças caso ganhe a eleição. Ele
deve continuar. Os republicanos não têm um nome forte.
Valor: E a economia chinesa?
Mobius: Há uma série de preocupações sobre uma bolha no
mercado imobiliário chinês. Mas não dá para comparar com o "subprime"
americano. As taxas de poupança na China continuam muito altas, os bancos estão
bem capitalizados e são controlados pelo governo e não deve haver problema.
Claro, há excesso de construções residenciais em algumas regiões, mas isso não
deve ser um grande problema. E a China deve continuar a crescer a taxas bem elevadas.
"O maior risco que temos é o mesmo que já vimos antes, os
derivativos, que equivalem hoje a dez vezes o PIB do mundo"
Valor: Então qual o principal risco dos mercados?
Mobius: O maior risco que temos é o mesmo que já vimos
antes, os derivativos. O mercado de derivativos equivale hoje a dez vezes o PIB
do mundo, US$ 600 trilhões, e nós aprendemos com a crise do
"subprime" o risco que isso representa. Um dos motivos pelos quais a crise
na Europa tem de ser resolvida é o volume de derivativos emitidos contra a
dívida dos países. Os bancos estão cheios de "Credit Default Swaps"
(CDS, títulos que transferem o risco de calote para outros investidores) contra
as dívidas. Portanto, se você tiver um problema com a dívida europeia, ele terá
o dobro do impacto, pelos derivativos. E todos seriam atingidos, pois um banco
dá garantia para o outro para vender o papel.
Valor: Os investidores estão saindo dos mercados
emergentes?
Mobius: Na verdade, estão saindo menos do que na crise do
"subprime", em 2008. Tivemos saques, mas não expressivos. Quando as
pessoas olham o passado e veem a recuperação dos mercados - e lembro que em
2009 demos um retorno de 89% - elas percebem que não faz sentido sair. Outro
fator é que as pessoas percebem que, no longo prazo, deve haver mais inflação
pois os bancos centrais estão todos tentando evitar uma deflação e em algum
momento os preços vão subir, e as ações são a melhor opção para se proteger da
inflação.
Valor: Quais países sofrerão mais com a inflação?
Mobius: Eu acho que será por toda parte. Será global.
Porque a demanda dos paises emergentes por matérias-primas e alimentos continua
crescendo em um ritmo acelerado. Então, os preços das commodities vão continuar
pressionadas. É outra razão para procurarmos companhias com capacidade de
definir preços, líderes de mercado. Como empresas de alimentos, que têm um bom
poder de aumentar seus preços para manter margens e compensar o custo das suas
matérias primas.
Valor: Quanto os emergentes devem crescer no ano que
vem?
Mobius: Na média, deve ficar em 4%. As bolsas é que não se
sabe quanto podem subir. Acredito que veremos uma recuperação no ano que vem.
Neste ano, as bolsas de mercados emergentes ficaram abaixo da média. Então acho
que no ano que vem elas devem recuperar.
Valor: Pode haver um rali no ano que vem nas bolsas?
Mobius: Pode sim. Se a Europa chegar a uma solução para sua
crise de dívida, o mercado pode ter um grande rali. Apesar de as eleições nos
EUA continuarem a acrescentar alguma incerteza no mercado. E as coisas também
não são mais tão simples. Hoje não temos só Europa e EUA para nos preocuparmos,
temos a China, temos o Japão, temos o Brasil, todos países importantes no
mercado global. E a distribuição da riqueza nessas novas potências está
aumentando a procura por commodities e bens.
Valor: Os preços das commodities vão subir?
Mobius: Não digo que vão subir, mas vão continuar
pressionadas, com muitos altos e baixos. Temos um alto valor investido em
derivativos ligados a commodities, temos, por exemplo, os ETFs (fundos
vinculados a um índice com cotas negociadas em bolsa) que possuem elevados
valores aplicados em commodities e seus derivativos. E há um grande volume de
recursos no mercado que precisa de um destino e uma parte grande deve ir para
matérias-primas.
Valor: E o Brasil nesse contexto?
Mobius: O Brasil é um mercado muito atraente. É uma
economia diversificada, com grande variedade de commodities, e um grande
mercado consumidor. Eu penso que o Brasil está em uma posição muito boa. É um
pouco como os EUA, que podem se isolar das crises, pois têm um grande mercado
consumidor, produz matérias-primas, têm indústrias e alimentos.
Valor: E a bolsa brasileira, como deve se comportar?
Mobius: Deve haver uma recuperação geral das bolsas. As
pessoas vão concluir que os mercados emergentes são um porto seguro e vão
buscar diversificação, colocando mais dinheiro nesses países, que estão
crescendo mais que os outros. O conceito de risco também está sendo
reorganizado. Não é mais certo dizer que bônus do Tesouro americano ou do
governo alemão são papéis sem risco. A resposta portanto é diversificar, não só
no Brasil, mas globalmente.
Valor: Quais setores têm maior potencial no Brasil?
Mobius: Acho que o primeiro é o de commodities, como
minério de ferro, cobre e minerais. O segundo é petróleo e o terceiro, consumo.
Pode ser varejo ou bens de consumo ou bebidas. Há uma grande e crescente
população de consumidores no Brasil.
Valor: Quais ações de empresas brasileiras vocês têm em
carteira?
Mobius: Petrobras, OGX, AmBev, Vale, Natura e Marfrig.
Valor: E quanto o Brasil representa em seu portfólio?
Mobius: O Brasil tem hoje o maior peso em nosso portfólio
global, quase 15%. Mas isso depende do fundo. A participação brasileira
cresceu. Não porque compramos mais ações, mas porque algumas ações brasileiras
subiram mais, por isso passaram a ocupar um lugar maior. A China, que costumava
ser a maior participação, está com 12%. Temos ativos de quase 40 países em nossa
carteira.
Valor: Quais são os países mais atraentes hoje para
investir?
Mobius: Nós costumamos olhar empresas, não países, mas
estamos vendo oportunidades na Rússia, Tailândia, África do Sul, Nigéria,
Vietnã, os chamados mercados de fronteira.
Valor: E quanto vocês têm hoje sob gestão?
Mobius: Na minha área, de mercados emergentes, US$ 40
bilhões, somente em ações, dos quais o Brasil deve ter uns US$ 6,5 bilhões.
Claro que outros fundos globais da Templeton também têm papéis emergentes,
talvez outros US$ 40 bilhões. Podemos falar então em US$ 80 bilhões em
emergentes.
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